Como usar IA na Direção de Arte: um guia para acertar em cheio e dar aquele “tchan” nos trabalhos
- Ricardo Guerra
- 28 de mai.
- 6 min de leitura
Por Ricardo Cruz e Guerra
Se você trabalha com design, é bem provável que já tenha recorrido a alguma ferramenta de IA para facilitar tarefas do dia a dia. Mas o que quero trazer aqui vai além de usar a IA para criar algo por você. A proposta é outra: ensinar a IA a pensar como o seu público-alvo e pedir a opinião dela sobre o que você criou. E posso dizer: os insights que surgem têm me surpreendido bastante.
Segundo Margaret Boden (2004), sistemas artificiais podem simular processos criativos ao explorar e combinar ideias dentro de estilos aprendidos, ou seja, criatividade também pode ser treinada. Don Norman (2013), por sua vez, reforça que entender profundamente o comportamento e as necessidades do usuário é o primeiro passo para qualquer design eficaz.
A Inteligência Artificial pode ser treinada para ajudar você a avaliar suas criações com base em percepções reais do público-alvo, apontando ajustes finos em cor, hierarquia, legibilidade, estilo ou apelo visual. Com isso, o designer ganha um olhar crítico adicional, sempre disponível, orientado por dados e pela lógica da experiência do usuário.
Com este guia prático, você vai aprender a:
● Treinar a IA com peças validadas pelo público
● Criar um "modelo de avaliação" compatível com seu estilo e persona
● Rodar testes comparativos com feedback automatizado
● Usar a IA para simular a visão crítica do público
1. Defina o público-alvo com o máximo de detalhes
Antes de qualquer IA opinar sobre algo, ela precisa entender:
Quem você quer atingir? Que idade têm? Que tipo de linguagem visual preferem? Onde consomem conteúdo?
Exemplo:
● Público: Jovens de 18–25 anos, urbanos, heavy users de Instagram e TikTok
● Estilo preferido: Alto contraste, tipografia ousada, estética pop/minimal, temas de autoexpressão (se não souber estes detalhes visuais, envie referências como veremos a seguir).
2. Monte um Dataset de Referência
Escolha ao menos 10 peças visuais reais (seus próprios trabalhos ou cases do mercado) que:
● Performaram bem com esse público
● Foram elogiadas pelos clientes
● Estão alinhadas com seu posicionamento de marca
3. Alimente a IA com esse Dataset
Use uma IA com capacidade de interpretar imagens + linguagem natural (ex: ChatGPT, Claude 3, Gemini etc.).
Prompt sugerido:
Aprenda o estilo visual predominante neste conjunto de imagens. Avalie cores, contraste, layout, tipografia, alinhamento com público jovem urbano digital. Memorize como referência de boa aceitação.

Para o teste eu enviei algumas imagens de campanhas no Tik tok (vide acima), confira a resposta da IA:
🧠 Simulação de Treinamento – Aprendizado de Estilo Visual Jovem (TikTok/Instagram)
📂 Base de Treinamento – Observações por Grupo:
1️⃣ Grupo Ryanair (humor com filtros)
● Estilo: Irreverente, tosco de propósito (deliberadamente amador)
● Cores: Alto contraste, predominância de azul, branco e tons vibrantes
● Tipografia: Memética (uso de caixas de texto estilo meme), fontes simples e legíveis
● Layout: Centralização dos olhos/boca, foco imediato no rosto humanizado do avião
● Tom: Humor ácido, autozuação, quebra da estética tradicional
● Narrativa: Mensagem rápida, emocional e irônica
✔️ Padrão-chave aprendido: Engajamento pela quebra de expectativa estética + narrativa divertida + reconhecimento imediato da marca por repetição visual.
2️⃣ Grupo Beleza / Reviews
● Estilo: Estética limpa com foco em rosto/pele e produto em destaque
● Cores: Paleta quente e suave, com tons de pele e maquiagem em evidência
● Tipografia: Pequena, sutil, com símbolos visuais (✨💄)
● Layout: Composição vertical centrada, produto e rosto alinhados
● Tom: Informativo, íntimo, com toques de humor leve ou surpresa
● Narrativa: Descoberta de produto, reação espontânea, avaliação sincera
✔️ Padrão-chave aprendido: Estética aspiracional + autenticidade + apelo direto ao comportamento de consumo digital.
3️⃣ Grupo Crocs (marca + conteúdo fun)
● Estilo: Colorido, divertido, mistura entre real e ilustrado
● Cores: Tons pastéis + saturação alta (rosa, amarelo, roxo, azul bebê)
● Tipografia: Textos curtos, grandes, impactantes (em algumas peças com fontes de display)
● Layout: Brinquedo visual com produto em destaque (meme, trend, moda ou cartoon)
● Tom: Descontraído, “vibes”, amigável, com forte presença estética
● Narrativa: Lifestyle, autoexpressão, tendência, comunidade
✔️ Padrão-chave aprendido: Design que mistura estética infantilizada + humor + visual cute + engajamento emocional com produto.
🧬 RESUMO DO MODELO TREINADO – Estilo Visual Jovem (18–25 anos)
Elemento | Padrão Aprendido |
Cores | Saturação média a alta, neons ou pastéis, contraste |
Tipografia | Simples, direta, muitas vezes em estilo meme ou display |
Layout | Vertical, foco em rosto ou produto, centralização |
Estilo | Mistura entre autenticidade, irreverência e “cute” |
Tom | Humor, espontaneidade, estética “imperfeita” propositada |
Engajamento | Alta repetição, símbolos visuais, apelo emocional |
Formato | Conteúdo nativo de Reels/TikTok com cara de trend |
4. Apresente seu novo design à IA
Depois de treinada, envie sua nova peça e peça à IA uma análise comparativa. Solicite:
● Ajustes em legibilidade, contraste, peso visual
● Alinhamento com padrões percebidos anteriormente
● Sugestões para melhoria com justificativa
Prompt de exemplo:
Esta imagem é uma nova criação para o mesmo público. Compare com os exemplos anteriores e diga se está coerente. Avalie paleta, tipografia, estilo, impacto e clareza. Sugira até 3 ajustes.

Após enviar um design de um banner de um evento (acima) voltado a um público mais velho, porém bem moderno, obtive a seguinte orientação:
🧠 Análise Crítica com IA Treinada – Público Jovem Urbano (18–25 anos)
🎨 1. Paleta de Cores
✅ Positivos:
● A paleta continua vibrante, com tons de laranja, rosa, azul e roxo — o que remete a designs "pop" modernos.
● Uso de tons quentes com contraste forte nas artes geométricas (especialmente à esquerda e à direita), o que capta atenção.
⚠️ Pontos de atenção:
● O fundo alaranjado, embora vivo, é visualmente muito homogêneo, e não gera contraste suficiente com os textos de apoio abaixo do título.
🔠 2. Tipografia e Clareza
✅ Positivos:
● A fonte do título é clean, moderna e bold – apropriada para uma marca institucional e legível de imediato.
⚠️ Pontos de atenção:
● O subtítulo e os detalhes da data e local têm peso leve e baixo contraste, perdendo legibilidade especialmente em telas pequenas (ex: celular).
● O botão de call-to-action está funcional, mas visualmente neutro, sem apelo emocional ou ícone que indique ação (ex: ➡️, 📅).
🌀 3. Estilo e Impacto Visual
✅ Positivos:
● A imagem é rica em linguagem gráfica vetorial, o que remete a cultura digital.
● O mosaico geométrico sugere um mundo conectado, exploratório — temas interessantes para um público jovem, curioso e visual.
⚠️ Pontos de atenção:
● A peça não traz rosto, personagem ou “humanização”, o que reduz identificação emocional — um elemento presente em todas as peças de sucesso no TikTok.
● Não há movimento, humor ou surpresa, componentes que elevam o engajamento no contexto digital jovem.
✅ Conclusão da IA Treinada: Coerência com Público-Alvo
Critério | Avaliação |
Cores | Adequadas (vibrantes e jovens) |
Tipografia | Parcialmente adequada (título OK, subtítulo fraco) |
Estilo visual | Institucional com toques modernos, mas sem a leveza ou irreverência que atrai no TikTok |
Clareza | Boa no título, fraca nos complementares |
Emoção/Engajamento | Baixo apelo emocional |
🛠️ Sugestões de Melhoria (Top 3)
Aumentar o contraste e peso visual do subtítulo e da data
○ Sugestão: fundo com leve sombra, uso de cor complementar (ex: azul escuro)
Inserir um elemento humano ou simbólico (ex: silhueta, emoji, personagem)
○ Sugestão: ícone ou elemento visual que represente o usuário (ex: um avatar com lupa, explorador, etc.)
Tornar o botão mais atrativo com CTA emocional
○ Exemplo de texto: Quero Participar! 🎟️ ou Me inscreva agora ➡️
5. Aprofunde com simulações de Persona
Você pode criar “perfis simulados” com IA para testar reações diferentes. Exemplo:
● Persona A: Criativa, gosta de design ousado
● Persona B: Conservadora, preza clareza acima de estilo
Prompt:
Assuma o papel de uma jovem de 22 anos, fã de arte urbana, que navega pelo Instagram. O que você pensa ao ver essa imagem? Ela chamaria sua atenção?
Exemplos de testes que podem ser feitos:
Tipo de Teste | O que a IA avalia | Objetivo |
Coerência com portfólio aprovado | Se o novo design reflete os padrões aprendidos | Manter consistência visual |
Avaliação subjetiva por persona | Impressões como “atraente”, “difícil de ler”, “sem apelo visual” | Refinar linguagem emocional |
Teste de contraste e legibilidade | Avaliação técnica com base em boas práticas visuais | Garantir acessibilidade |
Simulação de feed ou carrossel | IA indica se a peça se destacaria em um contexto de rede social | Testar atratividade em ambiente competitivo |
Sugerir variações pontuais | Ajustes finos de cor, espaçamento ou foco | Melhorar desempenho visual sem recomeçar do zero |
A IA como olhar crítico, não como criadora solitária
Ao treinar a IA com seu portfólio e o comportamento do seu público, você ganha um segundo olhar sempre disponível, pronto para sugerir ajustes, apontar ruídos ou reforçar boas decisões.
Esse processo é especialmente útil para:
● Times pequenos que não contam com revisão externa
● Designers que atuam como freelancers
● Avaliação de múltiplas peças para campanhas
Seguindo estas dicas, mantemos uma coerência e treinamos também o nosso olhar.
A IA não toma a decisão final, ela oferece opções. A escolha final continua sendo sua. E essa é a beleza da direção de arte consciente. Ou melhor, da direção de arte “consc(ciência).”
Referências e materiais consultados:
BODEN, Margaret A. The Creative Mind: Myths and Mechanisms. 2ª ed. London: Routledge, 2004.
NORMAN, Don. The Design of Everyday Things. Revised and Expanded Edition. New York: Basic Books, 2013.
Sobre o autor

Ricardo Guerra é professor universitário e publicitário, com atuação nas áreas de comunicação, redação publicitária, storytelling e produção de conteúdo. Possui experiência no desenvolvimento de campanhas, construção de marca e estratégias criativas para diferentes mídias. Também é escritor de ficção científica, com projetos que exploram narrativas transmídia e inovação narrativa. Sua trajetória integra prática de mercado e reflexão acadêmica, com foco na linguagem, na criatividade e na formação de novos profissionais da comunicação.
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