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A Representação do Caipira Paulista nos Cartazes de Mazzaropi

  • Foto do escritor: Bianca Nunis
    Bianca Nunis
  • 2 de jul.
  • 5 min de leitura

Por Bianca Nunis


A figura do caipira, ao longo da história do Brasil, passou por diversas ressignificações. Entre caricaturas, estereótipos e reelaborações culturais, esse personagem tornou-se símbolo de resistência, humor e, muitas vezes, de marginalização. No cinema nacional, poucos contribuíram tanto para consolidar essa imagem quanto Amácio Mazzaropi, cineasta que eternizou o Jeca como uma persona popular no imaginário coletivo. Neste artigo, vamos abordar a representação do caipira paulista, com foco na análise semiótica dos cartazes dos filmes de Mazzaropi, entre as décadas de 1960 e 1970, à luz da teoria de Charles Pierce. Vamos explorar a figura da população rural brasileira através das obras dos cientistas sociais Antonio Candido, Célia Tolentino e Glauco Barsalini, além de evidenciar o lugar da mulher referenciando a pensadora feminista Silvia Federeci.


O caipira de Mazzaropi

Amácio Mazzaropi (1912–1981) foi um dos nomes mais populares do cinema brasileiro. Atuando como ator, produtor e diretor, ele fundou sua própria produtora, a PAM Filmes, e produziu 32 longas-metragens, muitos dos quais protagonizados por personagens caipiras. Mazzaropi mesclava crítica social e humor em narrativas rurais que encantaram o grande público. Seu maior sucesso foi a criação de um arquétipo do caipira brasileiro — especialmente o paulista — que, embora baseado em estereótipos, cativava pela astúcia e pelo senso de justiça. Glauco Barsalini, em Jeca do Brasil (2002), aponta como Mazzaropi subverteu o “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato e transformou-o em herói popular.


A figura do caipira, ao longo da história do Brasil, passou por diversas ressignificações. Entre caricaturas, estereótipos e reelaborações culturais, esse personagem tornou-se símbolo de resistência, humor e, muitas vezes, de marginalização. No cinema nacional, poucos contribuíram tanto para consolidar essa imagem quanto Amácio Mazzaropi, cineasta que eternizou o Jeca como uma persona popular no imaginário coletivo. Neste artigo, vamos abordar a representação do caipira paulista, com foco na análise semiótica dos cartazes dos filmes de Mazzaropi, entre as décadas de 1960 e 1970, à luz da teoria de Charles Pierce. Vamos explorar a figura da população rural brasileira através das obras dos cientistas sociais Antonio Candido, Célia Tolentino e Glauco Barsalini, além de evidenciar o lugar da mulher referenciando a pensadora feminista Silvia Federeci.


O caipira de Mazzaropi

Amácio Mazzaropi (1912–1981) foi um dos nomes mais populares do cinema brasileiro. Atuando como ator, produtor e diretor, ele fundou sua própria produtora, a PAM Filmes, e produziu 32 longas-metragens, muitos dos quais protagonizados por personagens caipiras. Mazzaropi mesclava crítica social e humor em narrativas rurais que encantaram o grande público. Seu maior sucesso foi a criação de um arquétipo do caipira brasileiro — especialmente o paulista — que, embora baseado em estereótipos, cativava pela astúcia e pelo senso de justiça. Glauco Barsalini, em Jeca do Brasil (2002), aponta como Mazzaropi subverteu o “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato e transformou-o em herói popular.


A semiótica dos cartazes

A análise semiótica dos cartazes dos filmes de Mazzaropi revela uma série de códigos visuais que reforçam (e, em parte, subvertem) os papéis sociais representados. Utilizando a tríade de Peirce — ícone, índice e símbolo — podemos observar que os cartazes operam fortemente no plano simbólico: o Jeca é representado não apenas como indivíduo, mas como representação de uma categoria social. O uso de cores vibrantes, tipografia de estilo popular e ilustrações caricatas serve para dialogar com o público popular, aproximando-o do conteúdo do filme. É o que podemos observar nos cartazes de Jeca Tatu (1959), As Aventuras de Pedro Malasartes (1960) e Zé do Periquito (1960).



As expressões faciais exageradas, os enquadramentos dinâmicos e os contrastes entre personagens (Jeca versus o “doutor” ou a “madame”) reforçam a lógica de oposição entre campo e cidade, tradição e modernidade. Elementos icônicos como o chapéu de palha, as roupas remendadas e os animais do campo reforçam o vínculo com a vida rural, ao passo que o uso do humor visual cria uma cumplicidade com o espectador, que reconhece esses signos como parte de sua própria vivência ou memória cultural.


A representação da mulher caipira: um olhar feminista


Nos cartazes dos filmes de Mazzaropi, a presença feminina é geralmente secundária ou inexistente. As mulheres aparecem como donas de casa, mães devotadas, filhas submissas ou objetos de desejo. Em muitos casos, sua representação segue a lógica da heteronormatividade e da valorização da domesticidade. 


Célia Tolentino, em sua análise da obra de Mazzaropi em O Rural do Cinema Brasileiro (2002), aponta que as personagens femininas são construídas a partir da idealização da mulher caipira como recatada, submissa e dedicada ao lar. A filósofa feminista Silvia Federici destaca, em O Ponto Zero da Revolução (2019), como o trabalho doméstico e a maternidade são apresentados como atributos inatos da mulher, apagando sua liberdade, pois sua existencia está atrelada ao homem ou ao cuidado não remunerado.


Nos cartazes, isso se reflete em imagens em que as mulheres estão em segundo plano, geralmente associadas ao universo doméstico ou à espera romântica, em interação com um personagem masculino. É o que acontece nos cartazes de Tristeza do Jeca (1961) e O Jeca e a Freira (1967).  Há pouco espaço para sua individualidade, sua voz ou sua complexidade como personagens. Essa abordagem visual dialoga com uma tradução gráfica dos filmes que reforça o machismo estrutural — mesmo quando encoberto pelo humor ou pela “inocência” da comédia popular.



Conclusão: o campo, a cidade e o espelho do cartaz


A obra de Mazzaropi, especialmente em seus cartazes, é um espelho duplo: de um lado, reflete as tensões sociais entre o campo e a cidade, entre o povo e as elites; de outro, revela os limites das representações culturais, especialmente no que diz respeito ao gênero. O Jeca é, ao mesmo tempo, resistência e estereótipo, símbolo de uma brasilidade idealizada, mas também caricaturada.


A leitura semiótica desses cartazes permite compreender como a linguagem visual constrói significados que ultrapassam o filme em si. E ao inserir o olhar feminista nessa análise, escancaramos a ausência (ou distorção) da figura da mulher rural na cultura popular. Em tempos de revisão crítica das narrativas nacionais, olhar para os cartazes de Mazzaropi é também refletir sobre quem teve o direito de contar (e ser contado) na história visual do país.


Referências e materiais consultados

BARSALINI, Glauco. Jeca do Brasil: Mazzaropi e a construção do caipira nacional. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito. 11. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1964.

FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e lutas feministas. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia do Signo. São Paulo: Cultrix, 1972

TOLENTINO, Célia. O rural no cinema brasileiro. São Paulo: Editora UNESP, 2001.


Sobre a autora

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Graduada em Design Gráfico pela Universidade de Taubaté (UNITAU). Participou do Programa de Iniciação à Docência em 2022, atuando nas áreas de criação digital e infografia. Desenvolve uma prática multidisciplinar no design, com ênfase em cultura e diversidade, por meio de disciplinas cursadas na Escola de Design da UEMG. Em 2024, integrou o Projeto de Extensão no Centro da Imagem, colaborando na editoração da Revista iDeia. Sua pesquisa analisa a representação da mulher caipira nos cartazes dos filmes de Amácio Mazzaropi. Cúrriculo Lattes: https://lattes.cnpq.br/3295949205782908


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